Farto de Fazer Tolice #2 – O gancho do açougueiro
Após conviver com minha filha, minha constatação sobre a dificuldade em ser mulher na sociedade ficou ainda mais clara. Por estar cercado por mulheres de pensamento libertário há vários anos, tive a oportunidade de desconstruir diversos pensamentos diariamente.
O grande problema é que quanto mais se desconstrói, aumenta a quantidade de falhas, desvios e abusos que percebemos em nós e em quem convivemos. Puxa-se o fio e junto com o machismo, vêm misoginia, racismo, controle corporal e estético em diversos níveis.
Se não é fácil pra mim, imagina pra pequena que sofre tudo isso na pele.
O gancho do açougueiro
A vida te bate tão bem que às vezes quase passa despercebido, tal qual hoje, em que você desfila de calcinha roxa até a cozinha procurando alguma coisa pra comer, e sigo aqui fingindo que o mundo gira de maneira corriqueira. Maquinando que se o resultado do teste for positivo, teremos um grande problema pra essa vida que tanto reclamo.
Sigo sonhando com outra menina, pra bater mais uma vez forte em qualquer dogma ou preceito enraizado, esperando que ela tenha muito mais coragem de enfrentar tudo que esse destino puto apresenta.
Que enquanto criança, a inocência blinde questões retóricas sobre teu cabelo não ser liso qual o das princesas, e mesmo assim siga sorrindo. Não por submissão, mas por perceber o quanto é especial ser única e mesmo assim seguindo parte da maioria.
Contra esses que segregam, viva um padrão em que a diferença seja saber que a luta pra riqueza ser quantificada por valores maiores que monetários ou midiáticos. É nessa hora que enriqueço e torço pra que ela prospere igual. Somos mais que isso acredite, somos melhores por acreditarmos em igualdade.
Não essa merda simplória que equaliza os medos e injustiças de outrora, mas o pensamento que de enquanto todos não dançam no mesmo compasso ninguém dança. O baile não é baile se meu sapato tem sola e tua sola é teu sapato.
Quero que ela não tenha medo de caminhar, independente da rua, horário, roupa e tonalidade de pele sem medo ou receio. Que não haja coação social em nenhum grau.
Mesmo que não pertencente em completo na luta dela, seja mais um ombro pra que haja alicerce pra cada insegurança. Somos mais, mas você será melhor. Seguirei coadjuvante na tua luta por saber minha culpa.
Eu nasci assim, independente das possibilidades, serei a mesma pessoa. O que me difere é como me encaixo, onde esse maldito açougueiro me encaixa e onde deveríamos estar. Sofro também, mesmo com a pele, ouvidos e sentimentos não sendo meus. Lutando para que um dia não sejamos mais destroçados, moídos e expostos como mercadoria.
…
Não foi dessa vez, Antônia. O que desejei pra ti é o mesmo que desejo pra Larissa, Marta, Jéssica, Tatiane, Beatriz, Heloísa,Luísa, Andressa, Yasminne, Camila, Bruna, Suzana, Mariane, Amanda, Paula… Enfim, para todas.