Parem de dizer que Black Mirror é sobre o futuro
Este não é mais um texto sobre os vários motivos que existem para que você assista à série Black Mirror, até porque eles já foram listados em muitos outros sites. O que vem a seguir é a minha visão, como telespectadora, sobre a relação entre os episódios da série e a realidade da era informatizada na qual estamos inseridos.
Muita gente usou o primeiro episódio da terceira temporada – aquele cujas personagens trocam pontuações por meio de um aplicativo – para refletir sobre como a sociedade vem lidando com a questão da aparência nas redes sociais. De fato, o roteiro do episódio, assim como vários outros, nos leva a questionar até que ponto estamos vivendo de maneira igual à mostrada, mas é uma outra história que quero usar para explanar minha opinião.
[wbcr_php_snippet id=’53103′]
O segundo episódio da primeira temporada, chamado 15 Millions of Merits (ou 15 Milhões de Méritos) não é nem de longe o mais impactante, o mais “pesado” ou o que mais causou espanto nas pessoas. Em mim, no entanto, a história do protagonista Bing (Daniel Kaluuya) foi a que mais provocou questionamentos.
Eu não assisti os capítulos na ordem e, enquanto assistia aos outros, pensava como a maioria das pessoas pensam: que isso tudo pode (ou vai) ser real num futuro muito próximo. Até o momento em que eu vi 15 Milhões de Méritos e me caiu como uma cerveja quente no estômago. Espera aí. ISSO É REAL!
[insert_php] include(TEMPLATEPATH . ‘/filmes.php’); ?> [/insert_php]
15 Milhões de Méritos conta a história, em um mundo paralelo ou apocalíptico, como preferir, de uma sociedade que vive para pedalar bicicletas ergométricas que geram energia. As pessoas recebem em méritos, como se fosse a moeda oficial, e podem trocar por avatares, comida ou programas de televisão. Resumindo bem a história, o protagonista tem a chance de se rebelar contra o sistema em que vive e acaba se corrompendo a ele, tornando-se mais uma ferramenta para mantê-lo em seu pleno funcionamento.
É aí que entra a reflexão incessante que me perturbou por vários dias depois que eu terminei o episódio. O que é a nossa sociedade – neste momento, não no futuro! – se não uma mostra em larga escala do que 15 Milhões de Méritos nos conta?
Somos trabalhadores que vivem para pedalar bicicletas – ou exercer qualquer outra função que não nos faz feliz e nem nos orgulha – e comprar coisas que não precisaríamos se não estivéssemos condenados a viver da forma como vivemos. Quem sustenta o esquema, é claro, é a mídia. Ela nos faz acreditar que tudo está em perfeita ordem, que estamos exercendo nossos papeis sociais como deveríamos e que o mundo não é nada além de nossas bicicletas e nossos programas de TV.
Aí, quando há oportunidade de se rebelar contra o que nos é imposto, o sistema tem duas alternativas: ou nos destrói ou nos transforma em parte dele. Bing está sendo visto por todo o mundo pela televisão, falando tudo que sempre quis dizer sobre o modo como vive. Como o sistema não pode – ou não vê a necessidade – de liquidá-lo ali mesmo, ao vivo, ele incorpora a personagem ao seu corpo e a transforma em uma parte importante de seu funcionamento. Bing passa de um trabalhador revoltado contra o sistema para uma simples peça que continuará o reforçando.
Quando terminei de assistir e voltei a respirar, pesquisei sobre o que as pessoas estavam dizendo a respeito do episódio. Me assustei quando vi que elas acreditavam que a história é uma previsão do que vai acontecer no futuro. Quinze Milhões de Méritos é uma história sobre o que acontece desde sempre! Não enxergar isso é exatamente o que o sistema quer que você faça.
E você, continua achando que Black Mirror é sobre o futuro? Conte para gente!