Por que negamos dignidade às pessoas em situação de rua?

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Quando estou em casa, tenho o estranho hábito de trabalhar deitado no chão. Algumas pessoas não entendem como me sinto confortável, mas, desde a semana passada, está impossível ficar assim. Mesmo dentro de casa, a temperatura está tão fria que meus braços e pernas ficam dormentes. Se nessas condições favoráveis ainda me sinto assim, você consegue imaginar o que vive uma pessoa em situação de rua?

Nesses últimos dias, os termômetros da cidade de São Paulo registram menos de 10 graus em uma semana marcada por temperaturas mínimas recordes. Cinco mortes registradas. Uma delas ao lado de um antigo abrigo desativado pela prefeitura de São Paulo. Se todos parecem ter empatia nesses momentos trágicos, deveríamos nos perguntar por que fazemos questão de não reconhecer diariamente o direito à dignidade desses homens e mulheres.

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Políticas públicas higienistas, violência da população e os questionamentos sobre se essas pessoas realmente são humanas são coisas que convivemos diariamente. Assim como bem disse Leonardo Sakamoto: “é tanta gente defendendo medidas de limpeza social na internet ou clamando por isso na TV que os ‘homens e mulheres de bem’ ficam perdidos em meio a tantas opções”
. E isso não deve mais ser tolerado.

Enquanto você lê esse texto, pessoas em situação de rua estão sendo assassinadas em todo o Brasil com tiros na cabeça, pauladas, pedradas, queimadas vivas ou envenenadas. Também são deixadas para morrer de frio. Você já parou para pensar na quantidade de imóveis vazios que existem na cidade e estão apenas aguardando o processo de gentrificação fazer seu trabalho? Enquanto isso, segundo o censo da população em situação de rua da cidade de São Paulo, 15.905 pessoas vivem nas ruas em condições sub-humanas. Existe espaço para a construção de moradias, mas nossos gestores e boa parte da “população de bem” preferem deixar pessoas morrendo congeladas a criar espaços de moradia popular. Ninguém morre de frio nas ruas de São Paulo, mas morrem aos montes graças a ausência do Estado e a especulação imobiliária que prefere ver essas pessoas mortas a ter que coexistir com elas.

Se você duvida do que digo, leia o seguinte trecho de uma entrevista do comandante da GCM, Gilson Menezes, ao jornal O Estado de São Paulo: “Damos auxílio nesse trabalho de remoção de material inservível. E são retirados os colchões, realmente. É para tirar moradias precárias. A ideia de retirar os colchões é evitar que o espaço público seja privatizado. Porque existe também uma demanda de reclamações de muitos cidadãos, que dizem que, muitas vezes, têm de andar no leito carroçável [a rua] porque têm dificuldade de caminhar pela calçada”. Preciso dizer mais alguma coisa? Retiram-se itens de sobrevivência dessas pessoas para que o cidadão de bem possa se locomover com maior facilidade.

Documentário: Onde Mora a Dignidade

Documentário: Onde Mora a Dignidade (2010)

O documentário acima pode te ajudar a entender como as coisas são tristes e complexas quando pensamos em dignidade e pessoas em situação de rua. Tenho certeza que você criou um estereótipo sobre essas pessoas (um estudo já mostrou que a maioria da população de rua não bebe, muito menos usa drogas) e parece ser mais fácil negá-los, mas está na hora de você quebrar o preconceito e se mexer.

O Deveserisso é um espaço de diversão, mas também é um espaço de questionamentos e desconstrução, principalmente para esse que vos fala. Por isso, comecei a pesquisar por pessoas e entidades que estivessem nessa batalha diária contra o preconceito e, assim, conheci o excepcional trabalho da Pastoral do Povo de Rua para tornar dignas as vidas dessas pessoas.

Tenho que admitir que isso não é nada, mas para contribuir com a luta de pessoas incríveis como o Pe. Júlio Lancellotti, surgiu a ideia de fazer um financiamento coletivo para a aquisição de kits com mantas térmicas e cobertores (cada um será adquirido por um valor de cerca de R$ 15,00) que serão entregues na Pastoral do Povo. Se você puder ajudar, basta deixar sua contribuição no site. Caso você não possa colaborar com dinheiro, cobertores ou roupas nesse momento, que tal fazer algo ainda mais difícil: não virar o rosto quando uma pessoa que está em situação de rua tentar falar com você?

Lembre-se: juntos somos mais fortes que frio. Juntos somos mais fortes que as políticas higienistas do nosso prefeito Fernando Haddad. Juntos somos mais fortes que especulação imobiliária. Juntos somos um só!

Leo Cruz

Especialista em criar aquilo que um dia você vai procurar no Google. Fã de Filmes, Séries e Animes, escreve diariamente no Deveserisso.